quinta-feira, 28 de agosto de 2014

A nova política e a política do real

Em 2010 acompanhei as eleições presidenciais pela primeira vez com afinco. Já naquela época Marina me parecia uma opção bacana frente à polarização PT X PSDB. Hoje discordo de muitos pontos defendidos por ela (como os plebiscitos em relação ao aborto e às drogas), consigo enxergar melhor algumas contradições e, acima de tudo, confio muito menos nesse tipo de representação. Recebi com curiosidade a ideia da Rede Sustentabilidade enquanto uma tentativa de reabilitar a representação (um partido anti-partido, como li recentemente). A aliança de Marina com o PSB foi uma surpresa.
Uma primeira observação deve ser feita às críticas vazias a Marina. Primeiro, Marina está longe de ser fundamentalista religiosa e qualquer vislumbre de seus posicionamentos elucida a questão. Aliás, parece que o debate se formou de um modo tal que ter uma religião parece mais problemático do que o que se faz politicamente com isso. A presença de Dilma na inauguração do Templo de Salomão não é tida como uma ameaça ao Estado laico. A posição de Aécio contra o aborto não é chamada de fundamentalista. Prosseguindo, é preciso se questionar se a total esquiva de presidenciáveis de certos temas não seria um dano maior a essas pautas do que as propostas de plebiscito de Marina (o que, concordo, é escolher, no máximo, o menos catastrófico). A essas críticas tão ignorantes que nada, ou muito pouco, acrescentam ao debate, não vale a pena nos determos.
fundamentalista, eu?
A morte de Eduardo Campos torna a face de Marina de novo exposta. E toda a ordem de sentimentos de um luto repentino, somados aos seus discursos sobre a "nova política", colocam agora Marina como uma possibilidade cada vez mais real para a presidência da república. Entretanto, desde sua aliança ao PSB, passando pela escolha de Beto Albuquerque como vice e sua amizade pessoal-profissional com Neca Setubal, a pergunta que sempre entra no debate é: como fazer uma nova política pelos meios da velha política? O que de novo de fato Marina apresenta?
na saúde e na doença?
Como diria qualquer analista da política, se Marina quer se eleger, é preciso que jogue o jogo da realpolitik, a real política. Antes da nova política, existe a política do real. É nesse sentido que as propostas super-progressistas de Luciana Genro e mesmo suas críticas ferrenhas a Marina "falham": Genro não atinge nem 1% dos votos. Deve-se pontuar, todavia, que seu papel nas eleições é importantíssimo, como foi o papel de Plínio em 2010. Luciana Genro propõe, de fato, um governo baseado numa nova política e consegue apontar os problemas nas diversas candidaturas. Luciana diz o que ninguém tem coragem de dizer. O custo de toda essa coragem, no fim, é sua ínfima expressividade.
a salvação
Se Marina entra de cabeça na política do real, qual a diferença entre ela, Dilma e Aécio? Ainda que o programa de sua candidatura só saia na sexta, é possível pensar alguns pontos a partir de suas falas. Desde o início Marina continuamente repete que sua aliança com o PSB é "programática". Quando perguntada sobre como governaria sem o Congresso, Marina também responde que o fará em torno de alianças para um programa. "Governar com os melhores do PT, com os melhores do PMDB e com os melhores do PSDB" tem esse sentido. A principal proposta de Marina é também sua maior utopia: driblar o toma-lá-dá-cá por meio da costura de um programa capaz de unificar a esquerda, a direita e o que está ao centro. O que resta saber é quais seriam as propostas possíveis de promover tamanho consenso.
hmmmmmmmmmmmmmm...
Dentro da política do real ainda é preciso pensar no papel de Marina em 2014. Jogando com o personalismo da política brasileira, a candidata conseguiu construir uma campanha sobre si (e sobre o falecido Eduardo) e fugir da rinha PT x PSDB. Aliás, é na tenativa de superação desse dualismo que um possível governo de Marina parece interessante. Marina propõe a retomada de uma economia psdebista somada a uma política social petista. Sem a "situação pela situação" e a "oposição pela oposição" Marina tenta se safar do que para muitos é a própira política: a definição de amigos/inimigos. Um governo de Marina parece tão incerto que torna imprevisível também o futuro da centro-esquerda e da centro-direita. No meio do caminho, o PSB deve perseguir o crescimento construindo alianças. Existe uma abertura para a reorganização de toda a lógica partidária. Pode a esquerda se radicalizar e, talvez, se unificar?
piu
Aqui entra um ponto crucial que se tem deixado de fora do debate: o papel da sociedade civil. O PT foi um partido erguido pela militância, com a articulação dos movimentos sociais. Quando chega ao governo, entretanto, observa-se o fenômeno da cooptação. Movimentos tocados pela base do governo encontram espaço no Estado. A princípio, isso é positivo porque pauta políticas públicas. Quando, em nome da governabilidade, porém, o governo contraria os interesses dos movimentos sociais, há pouca reação. O problema de um governo à esquerda, com infiltração em movimentos organizados, é que só se aceita a crítica intra-partidária e pouco se vê de grandes atos, grandes mobilizações. O governo Dilma é exemplar. O veto da presidenta ao kit anti-homofobia não encontra grandes respostas do movimento LGBT. O governo Dilma foi o que menos desapropriou terras em 20 anos e não vemos um contraponto radical do MST. A continuidade do PT no governo pode significar a permanência das coleiras nos movimentos ligados à base do governo - porque, justifica-se, é melhor essa esquerda no poder do que a direita.
2013, Brasil
Um governo de Marina Silva, do PSB e da Rede seria um governo que teria que lidar com as ressonâncias das mobilizações apartidárias (e mesmo antipartidárias) que ocorreram em junho de 2014 e também com os movimentos da esquerda partidária - tanto os ligados ao PT, quanto alas mais radicais. Estes últimos podem se fortalecer no momento em que suas lutas representam não só a reivindicação de suas pautas específicas, mas também a tentativa de conquista do poder. As alternativas de Marina seriam atender às vozes das ruas ou repimi-las - o que se mostraria um trabalho hercúleo para quem chega ao governo sem muitas parcerias e sem grande domínio da estrutura do Estado. Resumindo, ou os movimentos enfraquecem sem o poder e se calam, ou, ao contrário, se fortalecem por não terem o peso do governo e se radicalizam. Ainda que não pelos caminhos por ela desejados (como a constituição da Rede, o partido-reforma), Marina pode trazer um novo momento de difusão das participações e das representações no Brasil.

Um comentário: