sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

A internet e a vida mental

Há 110 anos Georg Simmel nos apresentava "A metrópole e a vida mental". Vendo uma modernidade de mudanças cada vez mais aceleradas e as cidades que cresciam, cresciam e trivializavam as relações sociais, Simmel deu origem ao texto fundacional dos estudos urbanos. A Sociologia e a Antropologia (e demais ciências sociais) começavam, então, a tentar compreender quais eram as implicações das novas configurações das cidades nas relações sociais e mesmo na vida das pessoas. Pensando em regiões morais que dividiam a cidade e numa atitude blasé, própria das pessoas citadinas entre si, o século XX esteve repleto de cientistas sociais olhando para as metrópoles com muita preocupação. A Escola de Chicago é um ótimo exemplo da grande preocupação com as "degradações" da vida na cidade: formação de gangues, delinquência juvenil, crime organizado, prostituição.
Bauman  até hoje chatiadésimo com a modernidade.
Se é verdade que as preocupações de Simmel e sua trupe eram cientificamente plausíveis (de fato, a vida nas grandes cidades e a "intensificação da vida mental" produziram e produzem efeitos peculiares nas relações sociais), é igualmente verdadeiro que muitas dessas preocupações vinham acompanhadas de uma visão um tanto quanto conservadora: que é isso que acontece hoje e está trivializando e destruindo a vida social? No texto supracitado, o próprio Simmel fala de um urbano contraposto a um rural. Enquanto o primeiro seria o lugar do distanciamento entre as pessoas, em que essas já não mais teriam contatos significativos, o segundo seria lugar de preservação das relações sociais - ainda que o próprio autor diga que a tendência é que a vida urbana contamine todas as formas sociais. Um século depois, já foram tecidas críticas tanto à ideia de um fim do rural, quanto à própria separação rural x urbano. Apesar de todas as preocupações, ainda hoje se fala em sociedade (ou vida social) nas grandes cidades. E Chicago sobreviveu às "degradações".
Chicago vivona em pleno 2013.
O fim do século XX, quando o crescimento das cidades não mais parecia apontar para o fim das relações sociais (e novas relações vinham se configurando), trouxe consigo o surgimento da internet. De sua popularização nos anos 90 até os dias atuais, muito se disse sobre a internet. A indústria musical estaria falida, as escolas e as lojas chegariam ao fim, no futuro seria tudo online; a vida social seria virtual. Ainda que seja cedo para tirar conclusões, hoje, quando vamos nos acostumando melhor ao "mundo virtual", podemos ver que, como tantas outras, essas previsões eram bastante alarmistas e exageradas. De algum modo aprendemos a conciliar o online o offline (há também quem questione a existência dessa separação). Bandas continuam fazendo seus shows, gravadoras ainda existem, e até mesmo CDs e DVDs persistem - mas agora sem os recordes de milhões de discos. Por vezes artistas tem lançado suas músicas de graça na internet, outras vezes ainda com o sistema de "pague com um tweet" (como faz Karina Buhr) ou mesmo deixando livre para a pessoa escolher quanto vai pagar (como fez o Radiohead com o In Rainbows). As escolas também perduram (ainda que se fale bastante numa crise da educação - que pouco tem a ver com a internet), tendo que lidar agora com todo o conteúdo online (inclusive resumos, resenhas e trabalhos inteiros prontos), mas também se apropriando das diversas possibilidades, como grupos no Facebook para viabilizar o contato e a troca de informações e conteúdos entre professorxs e estudantes, e com blogs que relatam a experiência em sala de aula e discutem novas abordagens pedagógicas. Enfim, o que se evidencia é que novas relações sociais são formadas, com suas possibilidades e seus problemas.
E aí, quem topa uma Terceira Guerra Mundial com WikiLeaks e as porra?
Dois prognósticos apocalípticos sobre a internet ainda persistem: o de que há uma espécie de conspiração mundial envolvendo a internet e o de que a internet, ou melhor, as redes sociais, estão destruindo as relações sociais. O primeiro tem visto determinadas concretizações ao longo dos anos, como a recente revelação de espionagem do governo brasileiro feita pelos EUA, sob supervisão de Obama. Ainda assim, tirando filmes de ficção e confabulações, estamos ainda por assistir grandes guerras virtuais ou, melhor ainda, a dominação das pessoas por seus aparelhos eletrônicos. O segundo prognóstico, a propósito, não deixa de ser um medo da dominação da pessoa pela máquina. É essa ideia de que as pessoas estão se tornando dependentes da tecnologia, estão acabando com as relações presenciais e ainda constituindo relações bastante superficiais online. É engraçado como não se fala em dominação de livros e jornais, ou do cinema. Aparentemente só o digital vicia e contamina, "ler um bom livro", ou melhor, "devorar livros" parece perfeitamente saudável. Ainda que, no fim, sejam todos artefatos.
"Toda essa tecnologia está nos tornando antissociais."
Por outro lado, é sempre complicado falar em fim das relações sociais, ou fim da "sociabilidade", como queira Simmel. Mesmo quando falamos em afastamento e superficialidade devemos ter cuidado. E nem falo do relativismo de deixar de medir a vivência do outro com a nossa, mas sim da idealização que é essa relação social que procuramos. Toda geração segue dizendo que no seu tempo a sociedade era melhor, que cada vez mais se perdem as verdadeiras relações sociais. E não é isso que estamos fazendo mais uma vez? Se é certo que não precisamos aceitar tudo o que a contemporaneidade nos oferece, é certo também que essa eterna nostalgia não nos serve de muita coisa - para além do que, talvez, esse mito que seguimos repetindo (de que o melhor está no passado) seja uma tentativa de frear a velocidade das transformações. O problema aí é quando a pisada é tão forte que o que se produz é não mais do que conservadorismo. Ah, mas essa juventude e suas formas estranhas e fúteis de viver a vida! Se vamos herdar algo da turminha de Chicago, que seja a destreza de Becker em entender os grupos (eu ampliaria: os contextos) em seus próprios termos. E eu fico aqui a pensar o que os especialistas da guetificação, com suas 1313 gangues, diriam hoje sobre os rolezinhos...


ah, mas daí seria anacronismo da minha parte!

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Feminismo é para todxs

bell hooks é uma escritora e feminista negra estadunidense que escreve, dentre outras coisas, sobre gênero, raça, classe, educação - e muito a partir de sua própria experiência enquanto mulher, enquanto negra, enquanto vinda de origem pobre, enquanto professora. Pois bem, desde que comecei a ler o Feminism is for everybody, da bell hooks, quis indicar para todo mundo. Afinal, a bell é uma escritora fantástica e o livro tenta elucidar a questão "o que é feminismo?" com uma leveza e ao mesmo tempo com uma complexidade muito grandes. O  problema é que o livro ainda não tem tradução para o português. Só hoje consegui pensar numa forma de resolver isso que não fosse por demais trabalhosa: traduzir os capítulos (cada um com pouco mais de cinco páginas) separadamente e aos poucos, juntando tudo ao final. A ideia original  é traduzir um capítulo por semana, mas veremos como isso vai ficar. Essa postagem em capítulos pode ajudar também para que se façam críticas e sugestões para compor a versão finalizada.

Então, faço meu o convite da bell hooks: "Chegue mais perto. Veja como o feminismo pode tocar e mudar sua vida e todas as nossas vidas. Chegue mais perto e saiba de primeira mão o que o movimento feminista é realmente. Chegue mais perto e você vai ver: feminismo é para todxs".

Link do pdf em inglês: Feminism is for everybody.
Link do pdf da introdução: Feminismo é para todxs - introdução.
Link do pdf do capítulo 1: Feminismo é para todxs - política feminista.