Grandes debates tem sido travados sobre os mais diversos assuntos por pessoas partidárias de explicações mais ligadas à Biologia (e demais áreas afins) e pessoas mais ligadas às Ciências Sociais (ou Humanas, de um modo geral). Recentemente me meti numa discussão sobre trocar o dia pela noite: seria esse um modo de vida anti-natural ou seria mais um passo na evolução? Confesso que esse tema pouco me importa, na realidade. Para os fins desse post, utilizarei como fio condutor um tema mais robusto do ponto de vista das possibilidades de análise: a (homo)sexualidade.
Antes de mais nada, pontuo que as variadas formas de explicação sobre o mundo (as verdades, ou as crenças, dá no mesmo) coexistem. Longe de mim querer retomar o evolucionismo comtiano. A ordem dos sistemas de legitimação das verdades a ser exposta é lógica, não necessariamente condiz com a história e certamemte não representa qualquer "evolução".
Isto posto, começo por uma forma de explicação que não aparece no título do post, mas é importantíssima: a religião. É sabido que por todo o mundo existe uma forte relação entre homofobia e cristianismo. Deve-se explicitar: muitas pessoas cristãs encontram no cristianismo a justificação da homofobia. Por muito tempo, inclusive, eu imaginava que posicionamentos "anti-aborto" e anti-homossexualide eram decorrentes das religiões, especialmente as cristãs. Num debate sobre direitos reprodutivos uma colega me apontou: se o posicionamento contra a descriminalização do aborto estivesse inextrincavelmente ligado à religião seria impossível a existência do movimento Católicas pelo direito de decidir, por exemplo. Existe aí algo maior que deve ser pensado: o controle sobre os corpos tidos como femininos encontra diversas justificativas, a religiosa "pró-vida" sendo apenas uma delas. Com a homossexualidade isso se repete: existem pessoas cristãs homossexuais e existem instituições cristãs mais abertas à inclusão de pessoas homossexuais. Inclusive o papa Francisco se mostrou aberto a repensar o posicionamemto do Vaticano em relação à homossexualidade, que até então permanece como "abominação". Ainda, há pessoas cristãs que usam do próprio cristianismo para combater a homofobia, especialmente com concepções de um deus mais amoroso do que punitivo. Todavia, Malafaias e Felicianos parecem ser maioria nesse meio.
Seguindo, temos a ciência. Se é verdade que ela não pôs fim à concepção religiosa (afinal, religiões ainda existem), deve-se admitir que criou um terreno de batalha com a religião no que concerne à legitmidade das explições sobre o mundo. Dizendo de outro modo: há uma disputa sobre o monopólio da produção da verdade. É preciso lembrar que a ciência como verdade na maior parte das vezes exclui as ciências humanas - a não ser que estas usem métodos aproximados aos das ciências "duras". Aqui a briga tem muito a ver com a ideia de neutralidade, e é exatamente a crença nessa neutralidade que confere boa parte da legitimidade, da veracidade, de que goza a ciência. Pois bem, retomando nosso fio condutor podemos pensar que a ideia de "homossexualismo" é uma concepção científica da sexualidade. Homossexualismo era o termo que dotava a prática sexual de caráter médico; uma doença, enfim. Como doença, o "homossexualismo" poderia ser tratado ou curado. Hoje se fala em homossexualidade, e não mais homossexualismo (ao menos "oficialmente"), mas o debate da sexualidade não deixa de flertar com a Biologia e áreas afins, vide a ideia de que se nasce gay ou lésbica (e não dá para mudar) e as eternas buscas pelo gene gay.
Aqui começa o embróglio sobre a sexualidade ser uma determinação da natureza ou uma construção social. A segunda explicação abre mais espaço para a legitimação de identidades não-monossexuais (cito aqui a bissexualidade). O debate entre social e biológico é extenso e, na maior parte das vezes, pouco proveitoso. Já tendo pontuado sobre a via da ciência "dura", faz-se relevante pensar nas possibilidades do construcionismo social. A princípio, voltemos à "cura gay" proposta por certas pessoas ligadas às ciências psi. Admitir que a sexualidade é mera construção social, mero comportamento, abre espaço para a ideia de que esse comportamento pode ser mudado. Afinal, o behaviourismo não morreu. É preciso ter cuidado também com um certo voluntarismo, como se as pessoas simplesmente optassem por essa ou aquela sexualidade, sem nenhuma pressão social. Quando "social" significar maleabilidade irrestrita e "biológico" significar determinação imutável, será preciso dizer que a questão não é nem biológica, nem social: é política.
E que quer dizer afinal a afirmação de que algo é político? Quer dizer que há poder envolvido no assunto. E poder enquanto forma de dominação e controle. Quando se fala em identidades políticas, esse é o tema: o entendimento de que determinado agrupamento de pessoas está sendo dominado em relação a determinado aspecto que as une. Voltando à homossexualidade, é preciso entender que existem diversas vivências e narrativas do que é ser lésbica. Dizer que lésbicas são pessoas com vagina que só se atraem por outras pessoas com vagina e só com essas pessoas se relacionam sexual-afetivamente seria excluir muitas narrativas sobre a lesbianidade. Ainda assim, parar de falar em lesbianidade não parece o caminho. Existe toda uma história de opressão e de resistências das mulheres lésbicas que não pode ser esquecida porque, afinal, a dominação se mantém. O estigma, por exemplo, é algo que recai sobre muitas meninas que não "se assumiram" ou mesmo das que nem são lésbicas. E começa no estigma, vai para a piada e termina em atrocidades como o "estupro corretivo".
Concluindo, nos debates que põem biológico x social é importante ter a noção política da questão (existem interesses que influenciam e/ou determinam certas explicações em favor de um grupo dominante?) e encontrar o meio termo nos extremos. Nem tabula rasa, nem máquinas pré-programadas; somos algo além. Pessoalmente, eu gosto bastante da resposta do antropólogo Marshall Sahlins para o embate natureza x cultura: a natureza diz o que a cultura não pode fazer.
Antes de mais nada, pontuo que as variadas formas de explicação sobre o mundo (as verdades, ou as crenças, dá no mesmo) coexistem. Longe de mim querer retomar o evolucionismo comtiano. A ordem dos sistemas de legitimação das verdades a ser exposta é lógica, não necessariamente condiz com a história e certamemte não representa qualquer "evolução".
Isto posto, começo por uma forma de explicação que não aparece no título do post, mas é importantíssima: a religião. É sabido que por todo o mundo existe uma forte relação entre homofobia e cristianismo. Deve-se explicitar: muitas pessoas cristãs encontram no cristianismo a justificação da homofobia. Por muito tempo, inclusive, eu imaginava que posicionamentos "anti-aborto" e anti-homossexualide eram decorrentes das religiões, especialmente as cristãs. Num debate sobre direitos reprodutivos uma colega me apontou: se o posicionamento contra a descriminalização do aborto estivesse inextrincavelmente ligado à religião seria impossível a existência do movimento Católicas pelo direito de decidir, por exemplo. Existe aí algo maior que deve ser pensado: o controle sobre os corpos tidos como femininos encontra diversas justificativas, a religiosa "pró-vida" sendo apenas uma delas. Com a homossexualidade isso se repete: existem pessoas cristãs homossexuais e existem instituições cristãs mais abertas à inclusão de pessoas homossexuais. Inclusive o papa Francisco se mostrou aberto a repensar o posicionamemto do Vaticano em relação à homossexualidade, que até então permanece como "abominação". Ainda, há pessoas cristãs que usam do próprio cristianismo para combater a homofobia, especialmente com concepções de um deus mais amoroso do que punitivo. Todavia, Malafaias e Felicianos parecem ser maioria nesse meio.
Seguindo, temos a ciência. Se é verdade que ela não pôs fim à concepção religiosa (afinal, religiões ainda existem), deve-se admitir que criou um terreno de batalha com a religião no que concerne à legitmidade das explições sobre o mundo. Dizendo de outro modo: há uma disputa sobre o monopólio da produção da verdade. É preciso lembrar que a ciência como verdade na maior parte das vezes exclui as ciências humanas - a não ser que estas usem métodos aproximados aos das ciências "duras". Aqui a briga tem muito a ver com a ideia de neutralidade, e é exatamente a crença nessa neutralidade que confere boa parte da legitimidade, da veracidade, de que goza a ciência. Pois bem, retomando nosso fio condutor podemos pensar que a ideia de "homossexualismo" é uma concepção científica da sexualidade. Homossexualismo era o termo que dotava a prática sexual de caráter médico; uma doença, enfim. Como doença, o "homossexualismo" poderia ser tratado ou curado. Hoje se fala em homossexualidade, e não mais homossexualismo (ao menos "oficialmente"), mas o debate da sexualidade não deixa de flertar com a Biologia e áreas afins, vide a ideia de que se nasce gay ou lésbica (e não dá para mudar) e as eternas buscas pelo gene gay.
Aqui começa o embróglio sobre a sexualidade ser uma determinação da natureza ou uma construção social. A segunda explicação abre mais espaço para a legitimação de identidades não-monossexuais (cito aqui a bissexualidade). O debate entre social e biológico é extenso e, na maior parte das vezes, pouco proveitoso. Já tendo pontuado sobre a via da ciência "dura", faz-se relevante pensar nas possibilidades do construcionismo social. A princípio, voltemos à "cura gay" proposta por certas pessoas ligadas às ciências psi. Admitir que a sexualidade é mera construção social, mero comportamento, abre espaço para a ideia de que esse comportamento pode ser mudado. Afinal, o behaviourismo não morreu. É preciso ter cuidado também com um certo voluntarismo, como se as pessoas simplesmente optassem por essa ou aquela sexualidade, sem nenhuma pressão social. Quando "social" significar maleabilidade irrestrita e "biológico" significar determinação imutável, será preciso dizer que a questão não é nem biológica, nem social: é política.
E que quer dizer afinal a afirmação de que algo é político? Quer dizer que há poder envolvido no assunto. E poder enquanto forma de dominação e controle. Quando se fala em identidades políticas, esse é o tema: o entendimento de que determinado agrupamento de pessoas está sendo dominado em relação a determinado aspecto que as une. Voltando à homossexualidade, é preciso entender que existem diversas vivências e narrativas do que é ser lésbica. Dizer que lésbicas são pessoas com vagina que só se atraem por outras pessoas com vagina e só com essas pessoas se relacionam sexual-afetivamente seria excluir muitas narrativas sobre a lesbianidade. Ainda assim, parar de falar em lesbianidade não parece o caminho. Existe toda uma história de opressão e de resistências das mulheres lésbicas que não pode ser esquecida porque, afinal, a dominação se mantém. O estigma, por exemplo, é algo que recai sobre muitas meninas que não "se assumiram" ou mesmo das que nem são lésbicas. E começa no estigma, vai para a piada e termina em atrocidades como o "estupro corretivo".
Concluindo, nos debates que põem biológico x social é importante ter a noção política da questão (existem interesses que influenciam e/ou determinam certas explicações em favor de um grupo dominante?) e encontrar o meio termo nos extremos. Nem tabula rasa, nem máquinas pré-programadas; somos algo além. Pessoalmente, eu gosto bastante da resposta do antropólogo Marshall Sahlins para o embate natureza x cultura: a natureza diz o que a cultura não pode fazer.