sexta-feira, 20 de junho de 2014

Bourdieu: estrutura e mudança

Uma lição que aprendi logo no início da graduação foi que para entender um/a autor/a é preciso entender os debates que ele/a trava. Ninguém escreve só, por si e para si. Saber quais são os termos do diálogo e o que cada pessoa defende é um bom caminho para conhecer limites e potencialidades de teorias. É menos no conteúdo e mais nos seus contornos que as teorias me interessam - e que de algum modo fazem sentido. Até porque teorias são, de certa maneira, esquemas explicativos da realidade - são caixinhas em que se enfia o Universo.


Tenho lido/estudado Pierre Bourdieu há uns três anos agora e uma crítica recorrente a seu esquema analítico é a de que, em sua obra, tudo se resumiria a uma estrutura fechada e que, por isso mesmo, nunca muda - isso e seu pessimismo. A crítica é pertinente, porém já encontra uma resposta na própria obra do autor e é isso que esse texto pretende discutir. Há mudança em Bourdieu? O que muda e o que não muda?
em breve nas bancas
Antes de tudo é preciso entender aspectos fundamentais da ideia de estrutura em Bourdieu: diz respeito a um arranjo de posições num determinado contexto social, funciona sob uma lógica própria e influencia (mas não determina!) as ações dos indivíduos. De outro modo: a estrutura é definida por contornos que só fazem sentido no conjunto de seus elementos. É por aí que surge a noção de campo. Usando uma metáfora do jogo: o campo são as regras e habitus é o senso do jogo. O campo é o regramento enquanto sentido ou funcionamento do jogo - ou seja, as regras não necessariamente precisam ser explicitadas e forçadas para que o jogo aconteça. O habitus se constitui como predisposições para agir, sentir e pensar. O habitus é essa espécie de senso  prático que possibilita aos sujeitos (na maior parte das vezes inconscientemente) fazer a coisa certa, na hora e no lugar certos - em suma: jogar conforme o jogo, ou o que esperam dele.
#nãovaitercopa
Conceitos postos, mencionemos que Bourdieu fala bastante em reprodução social, aliás, talvez seja esse o principal tema de toda sua obra. Reprodução social sendo, basicamente, o mecanismo por meio do qual a estrutura social se sustenta. Aqui já se vislumbra uma resposta às críticas mencionadas: Bourdieu foca na manutenção porque está preocupado em estudar a reprodução social (parece tautológico, mas não poderia ser diferente). Obviamente essa explicação não é suficiente. Para entender onde o autor vê tanta continuação - uma vez o mundo  muda o tempo todo - é preciso voltar à sua ideia de estrutura. Não se muda a estrutura se as regras do jogo e as posições nele ocupadas permanecem as mesmas. O conteúdo, ou melhor, a densidade da vida social (emprestando a ideia de Geertz) é o que se transforma com certa facilidade. Não é que Bourdieu descarte o simbólico - pelo contrário, esse é um elemento constitutivo de suas análises -, o que ocorre é que ele prefere/pretende buscar pelas relações de força. A quem gosta de dicotomias, apresento mais uma: significado/poder. Enfim, esse é outro debate.
Sahlins boladaço com a turminha do Foucault.
Resumindo o causo: acabar com a reprodução social que o sistema escolar engendra não é só garantir educação básica a todo mundo. Refletindo melhor, o que é "educação básica" tem se alterado com o passar dos anos e o nível dos títulos (diplomas) exigidos para conseguir bons empregos tem se elevado numa velocidade maior ainda. Sobe o nível considerado "básico" e se amplia demasiadamente o acesso ao "básico" - e até o que está pouco além dele -, todavia as pessoas das classes dominadas continuam tendo maiores dificuldades de alcançar os melhores empregos, são consideradas menos cultas etc. Alterou-se o conteúdo, mas a estrutura permanece a mesma. Num outro exemplo (tirado do livro A dominação masculina): mulheres tem conquistado diversos direitos com o decorrer da história, como o direito ao voto e um maior acesso à universidade e ao mercado de trabalho. Entretanto mulheres são minoria nos cargos de poder, estão majoritariamente nos cursos mais precarizados das universidades e ganham menos em relação aos homens. Ampliam-se direitos, mas a dominação masculina perdura. Essas dominações, como a de classe e gênero, perduram por séculos exatamente porque são adaptáveis aos diversos contextos: porque a estrutura social é mantida.
anarquismo queer?
Seria Bourdieu um Marx sem revolução? Não o creio. Até agora só o que vimos foi a manutenção da estrutura social. O que faz com que uma estrutura mude, então? Bem, não há resposta que não a via revolucionária: se a mudança da estrutura só se dá com a mudança de sua lógica, só mesmo o fim da estrutura é, de fato, mudança. Não se altera a dominação de classes se é mantido intacto o sistema que produz essa dominação - a saber: que distribui desigualmente os bens simbólicos, para ficar nos termos do autor. Não seria possível, também, pensar numa libertação das mulheres (libertação de fato, e não inclusão precária) que não se direcione para o fim da existência mesma do gênero, porque a dicotomia masculino/feminino é a linguagem por meio da qual a dominação se reitera. Dissidências seriam o desvio-padrão já contido na estrutura - ou seja: reforma. Para mudar é preciso destruir a estrutura: revolucionar!

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